sábado, 1 de junho de 2013

NAQUELE TEMPO – JUNHO DE 1963 (EPISÓDIO 70)

O Boletim “O Árbitro” nº 72 (Ano VI), de há precisamente cinquenta anos, revelou, entre outros, os seguintes conteúdos:
TÍTULOS – Carmo Lourenço subscreve duas rubricas: “Mais um ano!” e “O Árbitro e os sectores de Informação”. J.C. assina um texto titulado “O difícil problema das Arbitragens” que foi dado a conhecer no jornal Estrela da Manhã, de Vila Nova de Famalicão. “Mentalizemos o futebol” de António Augusto Santos. De Angola, Joaquim Caixeiro publicou no jornal Angola Desportiva “Futebol e as suas leis e critérios”, que aqui é transcrito. Carmo Lourenço escreve sobre “Previsão que se confirmou” do conceituado Barros Araújo, com a nomeação de Alberto Costa para Presidente da Comissão Distrital de Árbitros da Beira (Moçambique).
-CAPAS DO BOLETIM DE ANIVERSÁRIO-
DÉCIO DE FREITAS – Alude, como Director, aos seis anos de vida do Boletim, cujas capas dos números de aniversário são acima reproduzidas, escalonando: 1957-As prosperidades que desejamos são extensivas a todos os que compartilhem na ingrata missão de valorizar a arbitragem em Portugal. 1958-Faz hoje um ano que iniciámos este trabalho. Tivemos e temos que lutar contra uma fraca corrente de detractores, mas hoje singramos de cabeça erguida na senda de mais e melhor. 1959-As Comissões Distritais, Delegados, Colaboradores, Imprensa, Rádio e Televisão e todos os prezados assinantes que a esta obra se têm empenhado com devoção e sacrifício, vai o agradecimento sincero de “O Árbitro” na esperança de que tudo continuarão a fazer para engrandecer o nosso Boletim. Obrigado a todos! 1960-Felizmente que nos orgulhamos de procurar fortalecer a todo o momento os laços de melhor compreensão e camaradagem entre os Árbitros. Que se afastem – mais uma vez o afirmamos – todos os que não servem; mas, inversamente, estendemos a nossa mão e curvamo-nos, respeitosos, ao escutar os conselhos e as lições dadas por quem merecer o nosso sincero reconhecimento.
-DÉCIO DE FREITAS-
1961-Atingido o quarto ano da sua existência, julgo que “O Árbitro” sente ter saído duma adolescência feliz e que esta precoce maioridade, de que muito se orgulha, maiores responsabilidades e deveres lhe exige. 1962-Os homens passam, os cargos directivos mudam, mas há a nosso ver a obrigação de não deixar morrer uma obra que se nos afigura ser um dos poucos meios que os Árbitros têm de contactar entre si… embora indirectamente. Não esquecemos, todavia, tantos e tantos Amigos que, sem pertencerem a esta ingrata causa, connosco têm colaborado, e que talvez compreendam melhor este traço de união indispensável. 1963-Mais do que nunca é necessário a união de todos para que os direitos conquistados não se percam. Quando, de hoje a um ano, este mesmo boletim sair a lume, só desejo que todos quantos agora o vão ler, tenham a felicidade de recordar que caíram doze folhas do calendário, mas não caiu uma Obra que aos Árbitros pertence e a todos procura dignificar.
PRESIDENTES DA COMISSÃO CENTRAL DE ÁRBITROS – Nos vinte anos de existência do organismo que superintende na arbitragem portuguesa e que se quer continue autónoma, una e indivisível, dá-se destaque às 6 personalidades que tiveram o honroso encargo de a dirigir e que foram:
1943/1947-COSME DAMIÃO (nasceu 02.11.1885/faleceu 11.06.1947).
1947/1950-Dr. VIRGÍLIO MARQUES LOPES DE PAULA (03.09.1890/09.06.1951).
1950/1953-ACÁCIO ROSA (04.09.1912/04.02.1995).
1953/1958-FILIPE GAMEIRO PEREIRA (18.08.1911/28.04.1968).
1958/1960-Dr. JOSÉ COELHO DA FONSECA (15.10.1905/28.06.1996).
1960/[1964]-Dr. FERNANDO ALBERTO FLORES PIMENTA (18.11.1928/24.02.1996).
A imagem da capa é da autoria do antigo Árbitro [e meu Mestre] Manuel Barreiro da Silva. O lisboeta ANTÓNIO Amaro Borges CALHEIROS, Árbitro internacional que acaba de terminar a sua carreira irá ser homenageado num jantar promovido por amigos.
-ANTÓNIO CALHEIROS-
Os Árbitros de Viseu promovem homenagem a José Alves de Figueiredo, tesoureiro da sua Comissão Distrital, pelos 16 anos de dedicado serviço à causa. Os cursos de actualização a levar a efeito nesta capital de distrito terão como palestrantes dirigente nacional e Árbitro internacional. Décio de Freitas dirigiu no Estádio do Restelo a final do 1º campeonato amador lisboeta (com 30 equipas concorrentes) entre o Clube Desportivo Lisboa e Águias (f. 03.01.1945) e o Sporting Clube de Portugal (f. 01.07.1906), ganho pelo primeiro por 3-0, e elogia a superior compostura dos intervenientes revivendo, com saudade, os tempos passados em que o amor à camisola sobrelevava quaisquer interesses materiais que hoje obliteram o sentido desportivo e moral dos campeonatos “profissionais”.
-LISBOA E ÁGUIAS-
Não só expressa as felicitações aos jogadores como soube que alguns necessitaram que lhes emprestassem dinheiro para a deslocação de “carro eléctrico” ou autocarro até ao campo de jogo… Todos eles deram uma magnífica lição de brio, amor clubista e pundonor desportivo que os milhares de assistentes jamais esquecerão!
OS SEGREDOS DA ARBITRAGEM – Num excelente estudo do Mestre Joaquim Campos é explicado, ao pormenor, as característica desejáveis e primordiais que devem existir num bom Árbitro, que aqui se descrevem em poucas palavras: Seja justo, mas não impulsivo; Seja rápido, mas não solicito, isto é, obsequioso; Seja enérgico, mas não irascível; Seja firme, mas não antipático; Seja amável, ma não brando; Conheça o regulamento, mas não dê a impressão de que o sabe demasiadamente. Imprescindível, ainda: Adaptar-se e reajustar-se ao ritmo da partida; Alcançar o necessário “sentido” do jogo; Ganhar o respeito dos jogadores; Subministrar a necessária “válvula” de freio para uma arbitragem inteligente. Mais requisitos: aparência, equilíbrio, honestidade, valentia, flexibilidade, habilidade, carácter, lealdade, honradez, inteligência e psicologia.
-JOAQUIM CAMPOS-
E os indispensáveis conselhos: Não tires os olhos do jogo (lembra-te que és Árbitro e não espectador); Não te baseies em suposições; Não discutas com os jogadores (quando julgas que ganhas perdes); Não respondas aos espectadores (é impossível arbitrar e discutir; Não procures confusões nem as alimentes; Não te apresentes mal equipado; Não seja orgulhoso; Não arbitres parado nem ponhas as mãos nas ancas, pois dá uma impressão desagradável; Procura sempre a melhor posição no terreno; A apitadela deve ser breve, nítida e significativa e não fales com o apito na boca; O teu tom de voz deve ser forte, mas agradável, firme, mas controlado; Os sinais devem ser correctos, claros e concisos; Não grites nem empurres; Não sigas só a bola. De vez em quando dá uma olhadela pelos quatro cantos do campo; Coopera com os auxiliares. Lembra-te que não és o dono, mas sim que fazes parte de uma equipa composta por três pessoas, como tu; Tem sempre presente que é mais fácil apitar do que não fazê-lo, mas não estragues o jogo.
A ARBITRAGEM E OS SEUS PROBLEMAS, UMA INTERESSANTE SÉRIE DE ENTREVISTAS DO JORNAL RECORD - Desta feita os entrevistados são o jornalista Manuel Mota, chefe de Redacção do jornal Mundo Desportivo e o antigo Árbitro Filipe Gameiro Pereira, instrutor FIFA, que respondem às seguintes questões: -Devem os Árbitros continuar a dispor dos poderes discricionários que a lei lhes faculta em questões de facto? –Ou carece-se de constituir outra entidade, que julgue os próprios juízes e se pronuncie sobre a regularidade e honestidade do seu trabalho? Responde Manuel Mota, com o costumado desassombro: “O Árbitro é o único juiz da partida. E como a decisão tem de ser rápida, quase instantânea, forçosamente que os seus poderes se tornam discricionários. O juiz de campo não tem a possibilidade, como qualquer outro juiz, de analisar um processo, de o estudar, de ponderar determinadas circunstâncias. Não. O juiz de campo, numa fracção de segundo, tem de decidir se há ou não falta, se há ou não golo, se deve ou não punir, tendo em consideração a chamada ”lei da vantagem”, se o livre deve ser directo ou indirecto, se houve ou não agressão! Logo, para isso, tem de usar dos seus poderes discricionários. Não pode, como é óbvio, reunir-se com os fiscais de linha para decidirem depois dessa reunião!... Mais: Se o Árbitro é um homem dotado de bom senso, sereno e imparcial (como devem, evidentemente, ser todos eles) não abusará de tais poderes. Mas se é um insensato, um nevrótico ou tem qualquer de parcialidade (e há disso, sem dúvida alguma…) os poderes discricionários que a Lei lhes faculta tornam-se perigosos. Tem sido sempre assim e há-de ser sempre assim”. Quanto à utilidade da criação do Tribunal de Justiça Desportiva, além de estar de acordo com a ideia, declara: “Os problemas e as questões criadas no futebol, só na sua própria organização devem ser resolvidos. É um princípio lógico e a obediência a um dos imperativos do próprio futebol: o auto-dirigismo”. Sobre a moda que vem imperando: o recurso a organismos e entidades extra futebol, adianta que nesses moldes essa acção constitui um erro. “Há, pois, que limitar os recursos àquilo que regularmente está previsto. Corrija-se a regulamentação, tornando possível, por exemplo, que os problemas de ordem exclusivamente técnica possam ir até aos órgãos superiores do futebol (Comissão de Arbitragem da FIFA e International Board) em vez de serem resolvidos sem apelo por órgãos meramente jurídicos. Insisto, esse processo não evita os erros de arbitragem. Eles hão-de existir sempre, com maior ou menor agudeza. Os erros devem ser reduzidos ao mínimo!”.
-FILIPE GAMEIRO PEREIRA-
Já Gameiro Pereira, afirma: “Os poderes do Árbitro, como se constata, não resultam de vontades ou caprichos individuais, mas de uma necessidade imposta pelo conjunto de boas vontades que constitui o próprio jogo. Apesar de defender os Árbitros sempre que o merecem, considero que um dos principais males de que enfermam os nossos Árbitros é o clima que hoje se vive entre eles, desde a inveja à maledicência, resultante de todos quererem subir vertiginosamente, sem primeiro cuidarem de fazer o seu exame de consciência. Quer dizer, numa classe onde só devia existir unidade ela está ausente, com todos os seus efeitos imprevisíveis mas que se reflectem forçosamente no rendimento e prestígio de tão complexo sector. Esta é uma verdade que os próprios Árbitros já vão sentindo, o que talvez os conduza ao bom caminho”. Quanto à segunda questão, responde: A criação de um organismo com a finalidade de julgar as decisões dos Árbitros pode dizer-se que é o sonho de uma reduzida minoria, a qual, aliás, tem sido sempre vencida. Refiro-me às tentativas verificadas no plano internacional e não é de esperar que outra coisa suceda por cá. A opinião geral, valha-nos isso é de que é preciso sofrer as inferências do erro de um Árbitro do que abrir a porta a um mal muito maior, como seria a intromissão de entidades estranhas ao jogo. Remata, dizendo: “Qualquer interferência exterior na acção dos Árbitros arrastará o futebol para um caminho perigosíssimo, com sequelas que ninguém poderá prever onde chegarão”.
OS DINHEIROS DO TOTOBOLA – Hugo Silva, o editor do Boletim chama a atenção, lamentando-se profundamente, para o facto dos responsáveis por este jogo de apostas terem entregou à Federação Portuguesa de Futebol a avultada quantia de 7.466.182$80 [hoje, em euros: 37.241,16], e esta distribuiu pela 21 Associações [Viana do Castelo não contou, pois estava inserida na de Braga] o total de mais de cinco milhões, trezentos e setenta e cinco mil escudos, depois de ficar com a diferença, cifra superior a 2.090 mil escudos, e para a arbitragem, zero! Clama-se a realização de cursos de actualização, melhorar o nível técnico e não só dos Árbitros, enfim… Mais, naquela altura, a Federação devia à Comissão Central cerca de 400 contos entre outras despesas… Hugo Silva diz voltar em breve ao assunto!
Esta rubrica da responsabilidade de David Costa, responde a questões colocadas por Alberto dos Santos Costa, que diz ser de opinião que jogador que evite que a bola entre na sua baliza utilizando as mãos, isto sem ser o guarda-redes, deve ser expulso e a razão de ser de não existir fora-de-jogo na reposição da bola em jogo nos pontapés de canto. As respostas: No primeiro caso prevalecia a seguinte metodologia: Na primeira infracção, avisado, na segunda advertido e, na terceira, expulso. Já no segundo a explicação foi ao encontro do entendimento do leitor. António José Alves Martins Coelho, de Lourenço Marques, questiona em 10 perguntas situações que gostaria de ver esclarecidas, das quais destacamos: É obrigatória a utilização da bola branca em jogos nocturnos? Não. É obrigatória a numeração das camisolas dos jogadores? Dado não fazerem parte das 17 leis do jogo é da competência das Federações a regulamentação.
O Árbitro pode usar equipamento de tecido brilhante, como o cetim? O Regulamento das Comissões Central e Distritais dos Árbitros de Futebol (Decreto-Lei 32.946/1945, de 3 de Agosto), no seu artigo 16º e quanto ao equipamento dos Árbitros, diz: O equipamento dos Árbitros constará de: a) botas ou sapatos pretos; b) meias pretas com canhão branco; c) calção preto (não é permitido seda ou qualquer outro tecido brilhante), deve ser folgado e não excessivamente curto; d) camiseta branca; e) casaco preto sem qualquer guarnição, levando apenas o distintivo da sua Comissão ou da Federação quando pertençam ao quadro da Comissão Central. Artigo 17º, No tempo quente permite-se e aconselha-se o uso do blusão preto, feito de tecido leve. Ainda um parágrafo único: O equipamento do juiz de campo deve dar pouco nas vistas…
-BARROS ARAÚJO-
PARABÉNS A VOCÊ – Barros Araújo, apreciável colaborador do Boletim expressa as suas felicitações a todos os seus integrantes pela passagem de mais um aniversário. Mais comunica que se confirmou a sua previsão pois Alberto Costa foi nomeado Presidente da Comissão de Arbitragem da Beira, em Moçambique.
-SYLVA GREGOVA-
ARBITRAGEM FEMININA – Num artigo assinado por Joaquim Campos, dá a conhecer que a checoslovaca Sylva Gregova, de dezassete anos de idade, está a dar cartas no seu país, pois para além de ter frequentado curso de candidata a Árbitra e obtido a correspondente aprovação, nas partidas que tem dirigido os intervenientes dizem-se satisfeitos, o que, também, está a acontecer noutras paragens com colegas suas da Holanda, Suécia, Espanha, Inglaterra. Contudo, Joaquim Campos não acredita na capacidade das mulheres para resolverem os problemas das arbitragens. Quando soar a hora de protesto, da ira dos assistentes, nem a sua condição de mulheres as conseguirão salvar.

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